“Quem vai ao Pará, parou. Tomou o açaí, ficou”. Presente em canções e na mesa dos brasileiros, principalmente dos paraenses, o açaí é símbolo de uma cultura que resiste e conquista o paladar de pessoas em numerosos contextos, regiões e até mesmo em outros países. No contexto de um mundo globalizado destaca-se a importância de produtos como esse, de territórios específicos, terem uma qualificação que os certifiquem e os diferenciem no mercado. Desse modo, surge a necessidade de uma Indicação Geográfica (IG), com a qual é possível não apenas identificar, mas qualificar a produção e contribuir para a valorização do produto, bem como com o desenvolvimento econômico da localidade.
Pesquisa
Foram questões como essa que impulsionaram Rayanni Corrêa Cabral a realizar uma pesquisa de mestrado que analisou e discutiu a importância de uma Indicação Geográfica do açaí produzido na microrregião de Cametá/PA. Autora do trabalho denominado Produção de Açaí na Microrregião de Cametá: Indicação Geográfica e a Perspectiva do Desenvolvimento Territorial, a mestra é egressa Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPGG), da Universidade do Estado do Pará (Uepa).
Entre os pontos de conclusão da pesquisa, a autora confirmou que na microrregião de Cametá, a cadeia produtiva, além de ser a maior do estado e do Brasil, compreende uma área que detém notoriedade, principalmente no período da safra, pois as palmeiras são majoritariamente nativas das várzeas. Além disso, foi reconhecida a possibilidade de aquisição de uma IG, por meio da modalidade de indicação de procedência, uma das categorias da Indicação Geográfica, que garante a obtenção desse registro, através da popularidade do fruto no local.
Residente de Igarapé-Miri, município do Pará com grande potencial referente ao cultivo e consumo do açaí, Rayanni estuda o recurso há bastante tempo, desde a graduação, que terminou em 2019. Engajada com a temática, ela decidiu dar continuidade às pesquisas. “Aqui, a gente possui grandes festividades relacionadas, então eu sempre tive esse interesse pessoal, e como consumidora, eu sou apaixonada. Sempre tá na nossa mesa de manhã, de tarde, de noite, como lanche, merenda, almoço, qualquer momento de refeição. Eu tive vontade de continuar com essa pesquisa pois eu sei que a cultura do açaí possibilita inúmeros benefícios para todos os integrantes da cadeia produtiva e à própria população que reside e consegue enxergar a circulação dessa economia”, afirma Rayanni.
Para fundamentar o projeto, Rayanni explorou bibliografias de autores estudiosos do tema, através de livros, artigos e dissertações sobre o conceito de Indicação Geográfica, além de conteúdos acerca de desenvolvimento territorial, ativos e recursos. Também foram realizadas visitas em órgãos municipais da microrregião de Cametá, como prefeituras, secretarias municipais, e cooperativas e associações, que integram grupos articulados à produtividade do açaí, além da Secretaria do Meio Ambiente (Semas). Ao final, coletou informações com “todos os membros da cadeia produtiva, desde o pequeno produtor, peconheiro, debulhador e os próprios empresários agroindustriais de açaí na região”, garante. A pesquisadora reuniu, ainda, dados investigados no mercado Ver-o-Peso – ponto de referência para a comercialização do fruto – e das agroindústrias de processamento no ponto focal da pesquisa, com o intuito de constatar o prestígio do item em voga.
Experiência com a temática
Embora estivesse intrinsecamente envolvida com o campo de análise, Rayanni vivenciou algumas dificuldades ao tratar com o tópico de IG, uma vez que a proposta ainda é recente no âmbito da ciência geográfica. “Existem poucos trabalhos acerca de indicação geográfica no Pará, inclusive, o primeiro registro no estado é do ano de 2020. Por conta disso, são considerados recentes os estudos e as pesquisas a respeito dessa certificação”, declara. Entretanto, obteve todo o auxílio necessário para conduzir sua dissertação e aprofundar sua investigação no assunto que tanto a satisfaz.
Ao Prof. Dr. Benedito da Cruz, do PPGG da Uepa, foi atribuída a responsabilidade de orientar e redirecionar o foco da pesquisa de Rayanni, que antes seria Analisar os Impactos Socioeconômicos e Espaciais das Agroindústrias de Processamento do Açaí na Microrregião de Cametá. Habituado aos saberes de IG em seu mestrado e doutorado, o docente sugeriu a modificação do ponto de investigação, posto que há uma escassez de vislumbre para explorar o teor proposto, principalmente em grande escala.
“Em conversa, começamos a pensar na possibilidade de discutir essa problemática, tendo em vista que o professor Benedito possui um amplo conhecimento acerca do conceito de indicação geográfica em seu grupo de pesquisa. Então, ele surgiu com essa ideia de começarmos a investigar uma possibilidade, uma relevância de indicação geográfica pra região”, assegura Rayanni.
Para o orientador, as pesquisas que tratam do assunto são relevantes porque cooperam para a proteção do conhecimento, do fazer de determinadas localidades e da cultura. “É importante que haja uma diferenciação dessa produção, que está relacionada com a origem deste produto, em que o mercado o identifique como um produto diferenciado. Então, na medida que há uma uma diferenciação, é possível pensar em estratégias, ações, políticas públicas visando qualificar esta produção ainda mais. Daí a importância de uma indicação geográfica, porque ela pode auxiliar nesse processo de qualificação, tanto nos aspectos relacionados quanto à produção em si, que envolve o manejo, a coleta, a seleção, o processamento, como a própria técnica que envolve a transformação, ou seja, a industrialização deste produto”, declara Benedito.
À medida que o professor também defende a necessidade de uma IG para o açaí produzido na microoregião de Cametá, Rayanni ressalta que o trabalho não se limita apenas à conclusão de defesa de dissertação. Pelo contrário, ambos darão continuidade para que, na prática, alcancem os objetivos. “A gente pretende continuar as visitas e reuniões mais aprofundadas com o poder público local, as lideranças e os grupos de associações organizadas, pois demonstraram ter os atributos necessários para aquisição de uma indicação geográfica do açaí, por meio do registro da modalidade de indicação de procedência. Então, a nossa intenção é continuar esse processo de mobilização com os grupos que foram identificados na pesquisa e fazer esse processo de mediação desse registro na região”, conclui.
Texto: Thayssa Nobre (Ascom Uepa)
Fotos: Acervo da pesquisadora e Marcelo Souza (Agência Pará)