“Assim como o machismo é construído naturalmente, a gente quer desnaturalizar também, não numa forma impositiva, mas no dia a dia, a gente sabe que é um processo", afirma a estudante Ádria Souto sobre o Machismo nas Práticas Pedagógicas, pesquisa desenvolvida por ela e Ana Carolina da Silva, ambas discentes do curso de Licenciatura em Pedagogia pelo Centro de Ciências Sociais e Educação (CCSE) da Universidade do Estado do Pará (Uepa).
Alguns dos propósitos do trabalho, que teve início no ano passado, serão fomentar observações acerca da problemática discutida e tornar explícito que a sociedade naturalizou o machismo. "De certa forma, eu acredito que esse trabalho vem tentar desnaturalizar, não posso dizer que vai acabar, porque é utópico falar, é um processo. Assim como foi pra ele se implementar, é um processo pra ele se desnaturalizar, mas a gente não pode pensar que é algo difícil, a gente tem que botar a mão na massa, tem que fazer, então estamos trazendo esse trabalho pra que ele possa vir causar essa reflexão na sociedade", declara Ana Carolina.
Aliado ao intuito defendido pela aluna, o estudo pretende escancarar que, às vezes, a prática machista ocorre de forma sútil em diversos ambientes do convívio social, seja no relacionamento afetivo, seja com os pais e, consequentemente, passa despercebida. Dessa forma, as estudantes almejam mostrar que o machismo esteve ou está presente no dia a dia e, principalmente, na sala de aula, evidenciando a necessidade de modificar tais atitudes. Insatisfeitas de debaterem o assunto somente em um artigo científico, a dupla estendeu para o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) que, a princípio, seria realizado individualmente. Mas, o vínculo construído ao longo dos semestres resultou em mais uma parceria. Ao passo que elaboravam o projeto, ideias surgiam e revelavam o potencial que a proposta tinha para ser expandida e já adiantam: pensam em prolongar para o mestrado.
A fase prática da pesquisa - que é a mesma do TCC - deve ocorrer ainda em abril. Segundo as discentes, esta etapa contará com a visita em uma escola para observarem o comportamento das crianças, o que está sendo ensinado a elas e, possivelmente, identificar resquícios do machismo nas falas ou atitudes que os pequenos reproduzem. Outra estratégia aplicada será o que chamam de “jogo de papéis”: deixar as crianças à vontade para explicitar as suas próprias interpretações sobre o que absorvem durante as aulas. Embora esteja empolgada com os possíveis resultados da pesquisa, Ana Carolina não esconde a possibilidade de haver resistência quanto à metodologia escolhida para ser aplicada em sala de aula. Perguntas como “vocês sabem que podem ter muitos problemas, porque muitos pais vão achar que estão colocando um discurso ideológico?”, integram um conjunto de falas negativas direcionadas às estudantes, quando revelaram o tema do projeto. Mas, nutrida de convicção e determinada a continuar, ela garante que irá, junto com Ádria, desenvolver a prática com cautela, para que um dos objetivos da dupla possa ser alcançado: transformar a sociedade o mínimo que seja.
Para isso acontecer, Ádria acredita que o primeiro passo é as pessoas entenderem que o machismo é algo negativo para homens, mulheres e afeta toda a sociedade. Quando optaram por iniciar a observação na educação infantil, já vislumbravam criar raízes, para que as crianças cresçam com uma mentalidade e discurso diferentes, objetivando modificar todos os ambientes em que serão inseridas futuramente, como o mercado de trabalho, círculo de amigos e a família. “Acredito que a importância da nossa pesquisa esteja nisso, começar a plantar novas sementinhas”, admite.
A pegadogia do machismo
A ideia de discutir sobre o tema partiu de Ádria, em 2020, quando começou a produzir um esboço do estudo. No mesmo ano, cursando o quinto semestre da graduação em Pedagogia, ela apresentou à amiga o que gostaria de pesquisar, e obteve a resposta que as conduziu até aqui. Entusiasmada, ela relembra o momento marcante na vida acadêmica da dupla: “Quando eu mostrei pra ela o início, o esboço da pesquisa, e eu vi a animação dela, e ela falou 'Ádria, isso é incrível, vamos continuar, vamos escrever’ ”. Embora as alunas tivessem afinidade para elaborar as atividades, enfrentaram outro impasse, além dos comentários que tentavam desmotivá-las a dar continuidade no trabalho: a dificuldade para encontrar, na época, artigos e publicações a respeito do machismo nas práticas pedagógicas. Frisam, também, que foi sugerido a elas que mudassem o tema, pois não iriam conseguir um orientador.
Em contraste com os discursos contrários, conheceram, através de uma discente e uma professora, a pesquisadora Dra. Lana Claudia Macedo da Silva, coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero, Feminismos e Sexualidades (Gefes) da Uepa, que aceitou orientar a dupla nesta temática desafiadora. “Dado a sociedade que a gente vive – patriarcal e machista – essa pesquisa vai contribuir de certa forma na sociedade, nem que seja atingindo uma, duas pessoas, mas ela vai transformar, então eu vou me sentir realizada pessoalmente e profissionalmente quando eu puder transformar algo, mesmo que seja mínimo. Mas é do mínimo que a gente evolui”.
Enquanto Ana Carolina manifesta a vontade de promover a diferença na sociedade, Ádria apresenta o caminho a ser percorrido para que a mudança social aconteça: “Para qualquer tipo de transformação ocorrer na nossa sociedade, é importante que a gente pegue a problemática, estude e analise. Para haver transformação, é necessário haver pesquisa”. O artigo ainda está em andamento, ainda sem previsão de publicação. Já a defesa do TCC das futuras pedagogas ocorre entre o final de agosto e início de setembro deste ano.
Texto: Thayssa Nobre (Ascom Uepa)
Fotos: Márcio Dias (Ascom Uepa)