Alunos de medicina recebem premiação literária

Enviado por Daniel Leite em Seg, 02/12/2019 - 16:48

Pensar sobre a profissão do médico é visualizar um profissional ligado a manutenção da vida, entretanto, este ator social, além de atuar no cuidado com o corpo, também, amplia suas atuações para outras perspectivas de vida dos indivíduos, quando refletimos sobre atuações profissionais que agem a partir de preceitos que envolvem conceitos de humanização do atendimento. Sendo assim, encontramos práticas médicas que ultrapassam os limites das clínicas, dessa forma, a inclusão de textos literários no treinamento de médicos e de profissionais da saúde pode ajudar a superar esse hiato, facilitando o entendimento da doença em sua dimensão mais ampla e contribuindo para um melhor relacionamento profissional-paciente em busca do atendimento humanizado.

No segundo semestre de 2019, a Sociedade Brasileira de Médicos e Escritores (Sobrames-PA) e o Sindicato dos Médicos do Pará (Sindmepa) organizaram a premiação literária Alípio Bordalo com o objetivo de estimular a criação literária entre médicos e acadêmicos de medicina e assim estimular a produção de literatura da categoria e contou com o patrocínio da Unimed Belém, Sicred Belém, laboratórios Amaral Costa e Paulo Azevedo, Cuidare e Dalmass. O evento homenageia Dr. Alípio Bordalo que morreu em 1º de fevereiro de 2019, médico obstetra, ginecologista e escritor, formado em 1957 pela Universidade Federal do Pará (UFPA), dedicou-se quase toda a vida à Santa Casa, fundou o Museu da Santa Casa e reativou a revista Paraense de Medicina e, também, é sócio-fundador da Sobrames e coautor de vários livros e trabalhos científicos.

A Universidade do Estado do Pará (Uepa) esteve representada por meio de discentes do curso de medicina que integram o Laboratório de Artes e Humanidades Médicas da Uepa por meio de 8 alunos inscritos, sendo que três deles foram premiados nas categorias crônica e conto: 2o lugar na categoria crônica do acadêmico Matheus Bezerra do Nascimento com a obra “Percepção”, 2o lugar na categoria conto do universitário Luiz Felipe Batista Ferreira com a obra “O Doutor Na Estação Da Luz” e 3o lugar, também, na categoria conto da discente Gabriela Paracampo de Albuquerque com a obra “Dia dos Namorados”.

“Foi uma experiência muito nova pra mim, pois nunca havia participado de nenhum concurso literário, apesar de desenhar a algum tempo na minha vida, porém a premiação no prêmio de literatura Alípio Bordalo foi a demonstração de mais uma possibilidade de expressão da vida por meio do conhecimento artístico e foi a primeira vez que eu desengavetei um texto meu por causa da influência da sensibilidade exercitada no Laboratório de Humanidades Médicas da Uepa” comentou a discente da graduação de medicina da Uepa,  Gabriela Paracampo.

A participação dos alunos do curso de medicina da Uepa neste concurso foi expressiva, considerando o fato de termos tido representatividade na premiação de duas das três categorias, além de observarmos o quantitativo de estudantes por faculdade, percebemos que seis eram acadêmicos da Universidade do Estado do Pará (UFPA), oito acadêmicos da Universidade do Estado do Pará (UEPA), três do Centro Univesitário do Pará (CESUPA) e um da Centro Universitário Metropolitano da Amazônia (Unifamaz).

A participação da Uepa no certame literário é fruto das atividades desenvolvidas no Laboratório de Artes e Humanidades Médicas da Uepa que é coordenado pela Prof. Luciana Brandão, e segundo ela o aluno participa do processo de conhecimento ativamente, gerando produtos artísticos que são a base para a produção do Laboratório ou gerando, ainda, eventos ligados à educação em saúde em que o dispositivo artístico é o instrumento principal. “Eu diria que o trabalho realizado no Laboratório de Humanidades Médicas da Uepa possibilitou a expansão da minha percepção sobre a humanização da vida e das práticas médicas, haja vista a sensação inspiradora que passou a fazer parte das minha busca profissional pelo saber na área da saúde, por  meio de outras formas interdisciplinares do conhecimento” ponderou o discente do curso de medicina, Matheus Bezerra.

“As artes desempenham papel fundamental na educação em saúde por constituírem um amplo campo de conhecimento a respeito de questões intrínsecas à prática clínica, principalmente as relacionadas à construção da relação médico-paciente. Ao estimularem a sensibilização para o cuidado singularizado, colaboram para o exercício crítico reflexivo da prática profissional, em que os aspectos educacionais, éticos e bioéticos sustentam- se de modo entrelaçado. Nesse cenário, a arte, por meio de suas variadas expressões, tem se revelado instrumento decisivo para a promoção de uma certa educação emocional, pois ela permite, àqueles que com ela mantém contato, uma genuína experiência de autoconhecimento, alicerce tanto para uma vinculação empática com o outro quanto para o exercício da integralidade no campo da medicina” afirmou a Coordenadora do Laboratório de Artes e Humanidades Médicas da Uepa, Luciana Brandão.

A má formação médica em alguns cursos de medicina, onde não é valorizado o contexto social dos pacientes somado a super especialização precoce se caracteriza como uma das manifestações mais expressivas dessa situação, portanto, a busca por processos e práticas que intercambiam questões sociais e culturais para a humanização dos processos e atendimentos médicos se tornou foco dos profissionais da aréa da saúde. Dessa forma, a literatura de ficção constitui como mais um recurso didático de metodologia ativa, pois proporciona reflexões sobre si mesmo, sobre valores, relações humanas, questões político-sociais, além de desenvolver as habilidades clínicas do estudante, como as capacidades de observação, interpretação, imaginação clínica e até mesmo a fluência linguística.

Além disso, o laboratório tem contribuído positivamente para a promoção da saúde mental do estudante na medida que propõe uma intervenção em sua intensa rotina de estudos, fomentando a integração entre alunos por meio de uma modalidade executada por todos com prazer e entusiasmo. Não há prova ou avaliação, ninguém é obrigado a comprovar frequência ou assiduidade. E, mesmo assim, a participação dos alunos é constante, intensa, engajada, voluntária e dedicada. A morte, o sentido da vida, as intolerâncias e as violências, para citar apenas alguns dos temas abordados, são trabalhados em uma perspectiva menos tecnicista, mais humanística. 

Todas as obras inscritas, num montante de vinte quatro obras dentre as quais seis eram de autoria de médicos e dezoito de autoria de estudantes, com representantes das quatro escolas médicas da cidade e após a premiação, os textos serão reunidos em uma publicação a ser anunciada em breve pela Sobrames.

SOBRE O LABORATÓRIO DE ARTES E HUMANIDADES MÉDICAS DA UEPA

Desde dezembro de 2018, o Laboratório de Artes e Humanidades Médicas da Universidade do Estado do Pará (UEPA) é um espaço em contínua construção, apresentado como uma das possibilidades de atividade extracurricular, destinado aos acadêmicos interessados, sob demanda espontânea. Ele foi idealizado e fundado por mim, Luciana Brandão Carreira, e hoje conta com cerca de 65 estudantes de medicina das quatro escolas médicas de Belém. Atualmente ele está atravessando o processo de institucionalização, na medida que se configura como um projeto de extensão. Sua proposta consiste em promover o encontro do aluno do curso de medicina com as Artes, através da leitura compartilhada de obras da literatura universal e da recepção de obras cinematográficas. Nesse momento, estamos finalizando um trabalho através da leitura compartilhada da obra “Intermitências da morte”, de José Saramago.

Ao longo de 2019, o Laboratório elaborou 8 trabalhos científicos (relato de experiência), apresentados no do 57° Congresso Brasileiro de Educação Médica (COBEM), que aconteceu em Belém, entre 30 de setembro e 02 de outubro de 2019. Para este mesmo congresso, os membros participantes do Laboratório construíram toda a programação cultural, tendo sido eles os executores, produtores e atores. Vários meses de trabalho antecederam a apresentação dessa programação, com inúmeros encontros, ensaios, reuniões entre os participantes, constituindo um cenário educativo diferenciado e revigorado pela espontaneidade e entusiasmo dos membros. Nessas oportunidades, vinculadas inicialmente às reuniões quinzenais do Laboratório de Artes e Humanidades Médicas da Uepa, consolidaram-se vínculos, ideias, com competências éticas importantes sendo trabalhadas, tais como solidariedade, responsabilidade, criatividade, além da higiene mental dos alunos.

 

Texto: Daniel Leite Jr

Fotos: Laboratório de Humanidades Médicas da Uepa