Fazer uma travessia de aproximadamente 15 minutos em embarcações que saem de Belém em direção aos furos da Ilha do Combú, para almoçar à beira rio ou hospedar-se em acomodações inseridas num ambiente de floresta, já se tornou uma prática relativamente comum para belenenses e visitantes. Mas, nem só de turismo de fim de semana sobrevivem as mulheres e homens ribeirinhos que permanecem na ilha e de lá tiram o sustento de suas famílias.
Para mostrar o trabalho e as histórias que estão por trás das cadeias produtivas vinculadas às atividades extrativistas de quem vive na ilha, professores do Programa de Pós-Graduação em Tecnologia, Recursos Naturais e Sustentabilidade na Amazônia (PPGTEC) promovem encontros com empreendedores locais, que detém os conhecimentos e saberes tradicionais sobre como lidar com os produtos da floresta. Na última quinta-feira, 9, uma turma do curso de mestrado do PPGTEC, formada por alunos do Instituto de Ensino de Segurança do Pará (Iesp) participou de uma programação como o objetivo de avaliar aspectos da sociobiodiversidade nas cadeias produtivas, gestão, segurança e vulnerabilidade em populações ribeirinhas.
A vice-coordenadora do PPG, professora Eliane Coutinho, afirmou que a importância dessa turma, formada por policiais militares, bombeiros e policiais civis, estar no Programa e integrar esse tipo de atividade reside no fato de que ao contrário do que muita gente pensa, a segurança pública envolve muito mais que ações repressivas. “Muitos desses alunos já desenvolviam ações voltadas à sustentabilidade, mas eles nem sabiam. E a segurança também envolve a questão da vulnerabilidade das populações”, explicou.
Entre os protagonistas da aula no Combú, Iracema dos Santos e Jerson Tadeu Teles, proprietários do empreendimento Ygara, explicaram a dinâmica de cadeias produtivas como a do cacau, da andiroba, da seringueira e do açaí. Iracema contou para turma, que há dez anos a família persiste para não deixar a ilha em busca de subempregos na cidade. “Nós aprendemos a beneficiar os produtos que antes vendíamos in natura e assim aumentamos a nossa renda", disse Iracema.
Iracema dá como um dos exemplos, o trabalho com o cacau, que antes eles entregavam para os atravessadores por um baixo valor e agora transformam em cacau em pó, nibs, semente torrada e brigadeiros, que já saem do Ygara direto para atender encomendas de restaurantes e lojas em Belém. A extrativista disse que durante a pandemia, o casal aprendeu a lidar com aplicativos de internet para oferecer produtos beneficiados, como o açaí. “Antes a gente tinha muito trabalho e custo para levar o açaí para vender lá no Ver-o-Peso e às vezes nem vendia. Com a pandemia, nós passamos a bater o açaí aqui mesmo e a levar direto para o cliente que encomenda pelo celular”, detalha Iracema.
Jerson, conhecido como Charles, foi o mestre extrativista que explicou aos mestrandos sobre vários aspectos relacionados à floresta. Desde a extração da seringa, o manejo do cacau e até narrativas de origem indígena que explicam porque a palmeira paxiúba é conhecida como árvore que anda. Ele explicou aos alunos-policiais que atividades como o turismo não trazem só benefícios e se reportou a problemas como a insegurança, a poluição das águas e descartes de lixo no rio. Uma das filhas de Charles, está trabalhando com outras cinco jovens no desenvolvimento do aplicativo Jungle Boat, voltado ao transporte de turistas para a Ilha, porque segundo Charles “ainda falta muita capacitação aos barqueiros, para saberem lidar com os turistas”.
Segurança alimentar e consumo
Para o professor Seidel Santos, engenheiro agrônomo e doutor em Biodiversidade e Biotecnologia, neste momento em que o país vive um cenário de pobreza que acarreta em alto nível de insegurança alimentar, é fundamental a valorização do trabalho dessas pessoas que ao invés de migrarem para a periferia da cidade, ajudam a produzir uma alimento de qualidade para as populações e que ajuda a permanência das famílias no local.
Nesse sentido, a engenheira florestal Cláudia Urbinati, doutora em Ciência e Tecnologia da Madeira, ressalta que essa geração de extrativistas empreendedores do Combú estão ajudando as pessoas a entenderem o valor da floresta em pé. A professora, enfatiza o papel dos consumidores nessa cadeia, “porque é muito diferente você comprar um óleo de andiroba que está há tempos na gôndola de uma farmácia de consumir um óleo extraído por um processo que respeita as dinâmicas da natureza. O consumidor brasileiros ainda está aprendendo que isso tem um valor a mais”, conclui.
Ao longo das aulas no Combú, a professora Flávia Lucas, que atuou como mediadora entre os alunos e os anfitriões, afirmou diversas vezes sobre a importância dos afazeres das famílias visitadas e dos aprendizados que eles podem proporcionar. “Aqui, os professores são eles”, destacou a professora.
Fotos: Márcio Dias (Ascom Uepa)