Inclusão de pessoas com limitações motoras é foco de projeto de design

Enviado por nailanathiely em Ter, 10/03/2020 - 09:06

Escovar os dentes, utilizar um produto de higiene, escrever, pegar um copo, manusear o celular ou outras atividades desenvolvidas no cotidiano são ações que se pressupõem fáceis e acessíveis, mas isto não é uma realidade para parte da população que possui alguma deficiência ou limitação. Para garantir a independência e promover oportunidades mais equiparadas para esta parcela da sociedade, alunos do curso de design da Universidade do Estado do Pará (Uepa), em Paragominas, desenvolveram este ano objetos que garantam a adaptação de habilidades atuais dos pacientes do Hospital Regional Público do Leste do Pará (HRPL), para êxito em algumas atividades do dia-a-dia.

A ideia do projeto interdisciplinar realizado na disciplina  Projeto de Produto IV surgiu a partir da identificação pessoal e pesquisa acadêmica da professora Larissa Buenaño sobre Design Inclusivo,  vertente de atuação permeada por projetos fundamentados na inclusão social e no respeito à diversidade. Neste contexto, foi identificada a possibilidade de uma parceria com a Terapia Ocupacional, uma vez que os terapeutas já desenvolvem produtos que auxiliam na autonomia e nas atividades diárias de seus pacientes. 

Segundo a professora, foi verificada uma demanda por um olhar estético-funcional para a concepção de produtos de alta complexidade social e criativa, gerando assim, uma possibilidade de parceria inventiva entre as duas áreas de pesquisa. Após levantamentos de pesquisa, onde a professora constatou que as duas áreas poderiam estar aliadas no desenvolvimento de projetos inclusivos, surgiu a parceria com a com a terapeuta do HRPL, Beatriz Teixeira, especialista em reabilitação do membro superior, que apontou os pacientes ortopédicos e de Acidente Vascular Cerebral (AVC) como as principais demandas de objetos adaptáveis da instituição. As duas profissionais avaliaram que parceria poderia ser aplicada nas atividades de autocuidado, tais como alimentação, higiene pessoal, autonomia na escrita, dentre outras, tornando possível, mediante supervisão, a concepção de projetos dos alunos de design da universidade para os  pacientes atendidos pela terapeuta. 

Como projeto multidisciplinar de Design, os alunos  desenvolveram quatro projetos: Smile Kit, Alimão, Ímper e AID, com a prerrogativa de serem de baixo custo, reguláveis, leves e de fácil higienização, devido a realidade do Hospital e a possível disseminação deles para o máximo de pacientes de Terapia ocupacional.

O projeto “Smile Kit” consiste em uma tecnologia assistiva de higiene bucal para pacientes que tiveram AVC e perderam parcialmente a força no membro superior. O kit é composto por um engrossador de escova de dentes e por um espremedor de creme dental, realizado pelos alunos Matheus Carvalho, Geovani Sheidegger, Robson René, Thais Caetano, e Yago Caporez.

O projeto “Alimão”, desenvolvido pelos alunos Alailson Silva, Bruna Cordeiro, Luciana Portella, Pablo Cunha; e Sâmella Nascimento, desenvolveu uma órtese e um porta-copo adaptável, para facilitar a autonomia na alimentação, auxiliando pacientes ortopédicos que perderam a força na mão ou possuem alguma limitação ou dificuldade para realizar suas refeições mediante a fraturas.

Para atender adultos e idosos com incontinência urinária, o projeto denominado  “Imper”, da aluna Camila Vidal, consiste na elaboração de roupas íntimas, onde calcinhas e cuecas impermeáveis buscam uma melhoria na rotina de pessoas que tenham sofrido AVC.

Já o projeto “AID”, de autoria dos alunos Jhennifer Cavalcante, Luana Mota, Matheus Antunes, Matheus Barros e Yane Maria, é uma órtese para pacientes ortopédicos que auxilia na independência da escrita e do manuseio do celular para pessoas com baixa mobilidade física nos membros superiores. 

Segundo a professora Larissa Buenaño, os projetos estão em uso, sob supervisão, no Hospital e a etapa seguinte é a geração de relatórios de usabilidade e  funcionalidade nas atividades de autocuidado que cada projeto se destina. “ Os principais encaminhamentos após essa utilização in loco são a disseminação e midiatização das ideias para auxiliar mais e mais terapeutas que apresentem essas mesmas demandas, por meio da confecção de mais produtos e de oficinas e tutoriais de uso.  O projeto não tem tempo de duração,, mas pretendemos escrever e publicar sobre eles em congressos e conseguir mais visibilidade para auxiliar outros hospitais e terapeutas, utilizando as mídias digitais para esse grande alcance”, afirmou. 

A criação e a utilização dos produtos desenvolvidos pelos alunos de design em uma ação multidisciplinar e levados à aplicabilidade com pacientes foram cuidadosamente e criativamente analisados pela terapeuta ocupacional Beatriz Teixeira, do Hospital Regional Público do Leste do Pará. “ A turma de design conseguiu contemplar o objetivo do projeto dentro da suas competências, considerando que os principais ajustes voltados para funcionalidade foram guiados pelas orientações como Terapeuta ocupacional, pois é a proposta da equipe interdisciplinar. Ambas as áreas conseguiram analisar e visualizar em conjunto as necessidades e pontos fracos e fortes do produto, desde modo, gerando potenciais de melhorias” avaliou . 

A terapeuta considera, entretanto, que pela rotina e rotatividade dos pacientes, dois meses é um tempo suficiente para analisar melhor a utilização e viabilidade dos produtos, mas os recursos disponibilizados têm grande potencial de usabilidade. Mesmo com a conclusão da disciplina, a terapeuta afirma a necessidade de conclusão de uma fase de testes para uma análise ainda mais satisfatória.

Para a aluna Sâmella Nascimento, que desenvolveu o projeto “Alimão”, a proposta inclusiva permite que os discentes pensem em alternativas de baixo custo, possibilitando o reconhecimento de um público alvo que foge do cotidiano dos alunos. “O design inclusivo, no entanto, é um tema de ampla discussão da qual precisa de mais atenção e reconhecimento dentro do design, uma vez que este e o Design Thinking possuem muito em comum. O produto em seu aspecto social é viés de auxílio e ajuda para as pessoas em tratamento de Terapia ocupacional. Esse tipo de usuário podem sofrer vários tipos de traumas, não apenas físicos, mas traumas psicológicos. O impacto do produto vem com a possibilidade de devolver ao paciente sua individualidade e seu lugar. Projetos como esses, que visam o melhoramento de vida dos usuários proporcionando conforto e liberdade, instigam o auxílio ao próximo e o exercer da empatia, que é de extrema importância para a realidade da sociedade atual”, defende.

Segundo a Unesco, 24% dos brasileiros vivem com algum tipo de deficiência. Juntamente ao envelhecimento da população, o dado merece atenção e pressupõe a necessidade de uma mudança de paradigma do mercado.  O design inclusivo pretende considerar a diversidade da população, ao levar em conta limitações permanentes (pessoas com deficiência), temporárias (alguém que quebrou um membro e precisou engessá-lo) ou efêmeras (indivíduos com mãos ou braços ocupados, que não podem ser utilizados).

O projeto  Smile Kit tem como objetivo proporcionar mais independência e praticidade para o momento de escovar os dentes. Com formas onduladas, o kit proporciona leveza, flexibilidade e adaptabilidade.  Para a aluna Thaís Caetano, uma das autoras, o kit promove eficiência para executar sua função, qualidade ergonômica, interação do produto com o usuário, adaptação antropométrica, desde a escolha do material  (silicone) , até a busca na pela criação que também proporcione prazer estético ao usuário, com atenção para formas, cores e texturas. 

O silicone utilizado para o cabo auxiliador do Smile Kit é um composto quimicamente inerte, inodoro, insípido, incolor e flexível, bastante resistente ao calor, água ou agentes oxidantes. Por ser incolor, pode ser adicionada tintas na preparação do cabo, permitindo a personalização de acordo com o desejo do seu usuário. O dispenser para o creme dental  é feito de compósito com fibra de coco, trazendo ao produto mais resistência, fácil higienização e para o projeto a regionalidade e sustentabilidade. Para Thaís Caetano, o impacto positivo do projeto na sociedade vem através da inclusão social. “Trazer a independência de uma pessoa que possa estar com o emocional abalado ao se encontrar em situações de constrangimento por ter que depender de outras pessoas para a realização de atividades diárias, ainda mais na higiene pessoal, que como já diz é algo pessoal de cada ser, é um momento de cuidados e cada um tem a sua forma de fazer e se sentir melhor”, concluiu.

 

Texto: Nailana Thiely/ Ascom Uepa

Fotos: Turma de Design 2009 - Uepa Paragominas