Formada em Libras pela Universidade do Estado do Pará (Uepa), Márcia Simone da Silva enfrentou dificuldades, ultrapassou barreiras para conquistar sua carreira profissional e hoje é professora na mesma instituição em que se graduou. Aos 48 anos, foi aprovada em dois processos seletivos para se tornar mestra em Libras e optou por cursar Mestrado no Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines). "Eu sempre agradeço a Deus e me sinto muito honrada pela vida que eu tive, pelas experiências desde pequena. Não foi fácil, eu encontrei muitos obstáculos e até hoje encontro barreiras que temos que superar", declara.
Dos 6 aos 12 anos de idade, Márcia recebeu uma educação oralizada por meio do vocabulário da língua portuguesa, já que muitos professores não sabiam a linguagem de sinais e não conseguiam explicar com clareza os conteúdos escolares. Logo depois cursou o Ensino Fundamental em uma escola, mas os professores não tinham os conhecimentos necessários para promover uma educação aos surdos e, por isso, os colegas de classe tentavam ajudá-la por meio de mímicas. Devido à falta de suporte, ela teve que repetir o 5° período. "Os professores só diziam para eu copiar e eu perguntava: 'eu só vou copiar do quadro?'”, relembra a professora Márcia.
Após esse período, foi para o Rio de Janeiro, ingressou em uma escola inclusiva e foi surpreendida por um outra realidade. "Quando eu cheguei naquela escola, parecia que minha mente havia se libertado, pois muitos ouvintes sabiam a linguagem de sinais e fiquei impressionada. Nunca tinha visto isso na minha vida, já que a cultura local é direcionada para a linguagem de sinais, diferente da cultura oralizada onde estudei no Pará". Márcia também acrescenta que essa experiência foi um divisor de águas em sua vida, pois foi o momento que aprendeu a linguagem de sinais. Ao final do Ensino Médio, ela tentou o vestibular para o Curso de Pedagogia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mas, devido à falta de acessibilidade para pessoas surdas, não conseguiu passar.
Cincos anos depois ela tentou novamente o vestibular, desta vez no Ines. Como forma de se preparar, começou a estudar a arte surda em todas as questões, envolvendo a língua de sinais e foi aprovada no tão sonhado curso de Libras. "Fiquei muito feliz com tudo isso que aconteceu. A faculdade era inclusiva também, os ouvintes já sabiam a linguagem de sinais e tinham uma boa comunicação com os outros alunos surdos. Um ou outro talvez não soubesse a língua de sinais, mas tinha intérpretes para mediar essa comunicação. Havia muitos vocábulos e muitos termos que eram desconhecidos, então começou a se criar também vários sinais e registrar os que foram advindos para serem aplicados na aprendizagem”, afirma.
Grávida, Márcia retornou a Belém, para cuidar da sua gestação. Transferida pelo Ines, ela deu continuidade aos estudos na Uepa. Na época, a universidade não possuia tantas experiências com pessoas surdas, nem havia acessibilidade comunicacional, enfrentando, mais uma vez, sua luta como estudante. "Três anos depois eu me formei e não foi fácil. Agora me sinto muito feliz, porque a Uepa já desenvolveu várias oportunidades para nossa comunidade. O campus da universidade em Marabá já possui o curso de Letras Libras, por exemplo. Alguns professores já sabem a linguagem de sinais e os que não sabem podem aprender por meio de oficinas. Muitos alunos também estão aprendendo com a disciplina de pedagogia bilíngue. Já pensou o curso de Educação Física com pessoas surdas e todos os outros cursos também? Por isso, acredito que é necessário que se aceite e que se ofereça esse afeto e amor para a pessoa surda", comentou a professora, e ainda frisou a importância da educação bilíngue, que promova a acessibilidade e atenção para as pessoas surdas, proporcionando ensinamentos que ajudam o desenvolvimento cognitivo.
O sonho profissional de Márcia é ajudar crianças surdas a sinalizarem, e explica que elas “podem sinalizar por causa do início de aquisição da língua, com o processo de aprendizado iniciado desde os seus primeiros anos de vida". Para compreender, os surdos precisam de informações visuais junto com o processo de aprendizado da língua, já que esse período inicial de desenvolvimento do cérebro vai ajudá-los a entender que sua primeira língua é a de sinais e depois vem a língua portuguesa como segunda língua escrita.
A futura mestra em Libras destaca que é preciso que o surdo internalize e aprenda sobre sua própria linguagem: "O mestrado vai me ajudar para isso, pois eu quero dar um modelo de mestre - que é surdo como o aluno - e incentivar para que alcancem seus sonhos, sendo uma referência para eles. Dessa forma, quero valorizar a questão linguística da criança surda. Os professores ouvintes, às vezes, por aprenderem língua de sinais, podem também transmitir essa educação, mas se não for fluente, como que vai ajudar a pessoa surda? Os surdos perdem muito tempo e são prejudicados no processo de aquisição da língua por conta disso, agora quando a pessoa é fluente na língua de sinais, o surdo não tem essa dificuldade e vai se desenvolver como toda criança. É necessário que desde a infância se tenha acesso ao aprendizado por meio da língua de sinais", conclui a mestranda.
Texto: Vitória Reimão e Thayssa Nobre (Ascom Uepa)
Foto: Laís Teixeira (Ascom Uepa)