Roda de Saberes ressalta papel dos professores na Amazônia

Enviado por Fernanda Martins em Seg, 14/11/2016 - 19:41

As mazelas impostas às populações tradicionais amazônicas e o diálogos entre o saber científico e popular foram o centro do debate trazido pela Roda de Saberes, evento organizado pelo Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor) da Universidade do Estado do Pará (Uepa), que reuniu dezenas de pessoas no auditório Paulo Feire, do Centro de Ciências Sociais e Educação (CCSE), durante todo o dia de hoje. Promovido em parceria com a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase) e o Fórum da Amazônia Oriental (Faor), a Roda deu voz aos professores formandos e outros representantes de populações que vivem o difícil cotidiano amazônico.

Como um evento que reúne profissionais da educação, o tema da PEC 241/55, conhecida no meio como a PEC da Morte, também mobilizou os envolvidos no evento. “A nossa classe tem o histórico de luta e sabemos que a mudança vem da base. Levar este tema para além da sala de aula é uma necessidade. O próprio Parfor é fruto de uma luta coletiva e não podemos regredir”, observou a coordenadora do Parfor/Uepa, Kátia Melo.

O diretor do CCSE, Anderson Maia, que também esteve presente na Roda, ratificou a necessidade de diálogo e a importância do Parfor tanto para a Uepa quanto para a sociedade anunciando a cessão de uma sala permanente para realização das atividades de planejamento do Plano. “O Parfor passa a ser vinculado também ao CCSE, que é um Centro conhecido por essa característica de fomentar o debate social”, disse.

A pró-reitora de Graduação da Uepa, Ana Conceição Oliveira comemorou o sucesso do Plano e o receio do projeto do atual governo. “Lembro quando o Parfor foi implantado, ainda em 2009, após muito diálogo. Foi um passo importante na formação de professores e o Parfor Norte se destacou do resto do país. Agora, com essa PEC de maldades, o sonho da formação continuada se coloca em risco. Precisamos lutar contra isso”, alertou.

A situação vivida pelos povos tradicionais da Amazônia foi trazida para o debate pelos representantes da Fase, João Gomes, e do Faor, Marco Mota, que lembrou que os saberes não são excludentes entre si. “Para aceitar o saber científico, não é preciso ignorar o tradicional, e vice versa. Eles precisam se somar. Ignorar as observações feitas por indígenas, quilombolas e ribeirinhos acerca de seu ambiente é uma estupidez”, colocou. Para Gomes, a visão urbanocentrica que vem sendo imposta às aldeias e comunidades causa prejuízos irreparáveis. “São populações que não tem uma noção da natureza como valor de troca, e sim como valor de uso. A luta está no campo das ideias e os professores têm um responsabilidade enorme sobre isso”, ressaltou.

AMAZÔNIA

Ainda pela manhã, o evento contou com a conferência de abertura realizada pelo jornalista e pesquisador Lúcio Flávio Pinto e o coordenador da Fase, Guilherme Carvalho. Ambos ressaltaram o desconhecimento da Amazônia entre os próprios amazônidas. “Para compreender a Amazônia, é preciso saber observá-la. Ter as lentes corretas para isso. Deixar para trás velhos dogmas, ideologias e até teorias da conspiração antigas para perceber essa dinâmica surpreendente e assustadora”, avaliou Pinto.

Ele relembrou episódios, em décadas anteriores, quando a floresta derrotou exploradores capitalistas, que tentaram impor suas visões à natureza. “Henry Ford veio para a Amazônia com a ideia de plantar seringueiras e extrair a borracha. Ele pretendia derrubar a floresta e plantar 1.500 seringueiras por hectare, onde naturalmente existiam quatro ou cinco. E deu muito errado, pois a intervenção causou um desequilíbrio que deixou as plantas suscetíveis a uma praga, que inviabilizou a produção. A Ford sequer menciona isso em sua história”, contou. “A Amazônia exige humildade para aprender, não apenas na academia, mas lá fora. É impossível, da cidade, se dizer que conhece a região”, concluiu.

A dita superioridade do saber científico também foi questionada por Carvalho. “Precisamos neste momento de mudanças, descolonizar o saber. Esse senso de que o conhecimento científico é mais confiável e superior ao conhecimento tradicional é muito natural em todos nós e foi construído durante muito tempo”, observou. Ele disse ainda que o ser humano há alguns séculos não se vê como parte da natureza. “Nos debates sobre meio ambiente, o que domina é a instalação de soluções tecnológicas para combater os danos causados. Algo que geraria apenas mais gastos e maior concentração de poder entre aqueles que dominam esse conhecimento. Ninguém debate uma mudança nas políticas ou questiona essa visão de ‘progresso’. É preciso reavaliar essas posições e se integrar de volta à natureza”, advertiu.

PARFOR

Desde 2009 o Parfor/Uepa é responsável em formar e graduar professores da educação básica da rede pública de ensino. O Programa formou, até este ano, 1.409 alunos-professores. Atualmente são ofertados 11 cursos de licenciatura - Intercultural Indígena, Ed. Física, Letras/ Língua Portuguesa, Letras/ Língua Inglesa, História, Filosofia, Matemática, Geografia, Ciências Naturais/ Química, Física e Biologia, Ciências da Religião e Pedagogia. Totalizando 1500 alunos distribuídos em 53 turmas em 22 municípios do Estado do Pará. O Parfor/Uepa está vinculado a Pró-Reitoria de Graduação (Prograd) e sua coordenação geral está localizada no prédio da Reitoria, com funcionamento conforme o fluxo administrativo da Uepa.

 

Texto: Fernanda Martins

Fotos: Cláudio Santos/ Ag. Pará