Professora é selecionada como Bolsista Produtividade do CNPq 

Enviado por Guaciara Freitas em Seg, 21/12/2020 - 07:22

Rio de Janeiro, 19 de dezembro de 1950. Quando nasce, prematura de sete meses, pesando 1,4 quilos, pequena a ponto de caber em uma caixa de sapato, Ivanilde Apoluceno sinalizava duas de suas características emblemáticas: não deixar nada para depois e não temer desafios, conforme autoavalia-se. Tais atributos, entre tantos outros, contribuíram para que a professora e filósofa, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGED), da Universidade do Estado do Pará (Uepa), tenha sido selecionada pela segunda vez consecutiva como Bolsista Produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Na chamada referente ao período 2017-2020, Ivanilde Apoluceno de Oliveira foi classificada como Bolsista PQ-2, com o projeto intitulado Alfabetização de Jovens e Adultos com Deficiência em Instituições Especializadas: processo ensino-aprendizagem. Na seleção referente ao quadriênio 2020-2023, a proposta submetida e aprovada intitula-se Alfabetização de Educandos da Educação Especial em Unidades Especializadas e Escolas Públicas. Embora guardem aproximações, no que se refere ao fato de lidarem com Alfabetização e com públicos especiais, os projetos também trazem distinções importantes, como explica a professora: “o primeiro teve o foco voltado para os professores, para desenvolver suas práticas. Agora, o foco está nos estudantes e na aprendizagem”.

Entre os participantes do projeto atual estão alunos com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e como as atividades já haviam sido iniciadas enquanto projeto de extensão, a equipe envolvida realizou três meses de observação dos aprendizes em suas relações com os docentes. Como a proposta tem as concepções de Paulo Freire entre as bases teóricas, a pesquisa leva em conta as histórias, desejos e aspirações dos alunos. Nessa perspectiva, professora Ivanilde relata: “nós não fazemos um trabalho isolado, trabalhamos o coletivo, porque a mediação se dá na interação com o outro, sendo esse outro não só o professor. Mesmo o aluno autista tem um nível de comunicação e nós lidamos com o estímulo à comunicação, sendo que o ponto de partida está ligado ao que ele gosta, ao que ele reage”.

Sobre a aprovação do projeto, Ivanilde Apoluceno comemora como uma conquista de caráter coletivo, do Núcleo de Educação Popular Paulo Freire (NEP) e do PPGED. “Eu não ia submeter uma nova proposta, mas fiz, porque é importante para o Programa. Fiquei muito feliz com a aprovação também porque é muito importante esse projeto estar no CNPq, os resultados que nós estamos conseguindo são maravilhosos e o melhor é que com esse recurso da bolsa, eu posso investir na pesquisa. Agora a gente pode publicar e investir na pesquisa”, celebra.  O pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da Uepa, Renato Teixeira, reforça a importância da bolsa PQ para a Instituição, referindo-se ao fato de que esse fator impacta de maneira favorável à avaliação quadrienal realizada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), no Programa de Pós-Graduação que tem bolsista produtividade. 

Trajetos produtivos

Produtividade: “substantivo feminino, característica ou condição do que é produtivo; capacidade de produzir”, de acordo com o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. A definição dicionarizada explica, mas não completa o significado da obtenção de uma bolsa produtividade para um(a) pesquisador(a) no Brasil. Conhecida como Bolsa PQ, classificada nas categorias 1 e 2, é destinada a pesquisadores que se destaquem entre seus pares, representa a valorização da produção científica de um(a) pesquisador(a), segundo critérios normativos, estabelecidos pelo CNPq, e específicos, dos Comitês de Assessoramento (CAs) do CNPq. Na categoria 1, o (a) pesquisador(a) é enquadrado(a) em quatro diferentes níveis (A, B, C ou D), com base comparativa entre os seus pares e nos dados dos últimos dez anos, entre eles o que demonstre capacidade de formação contínua de recursos humanos. Na categoria PQ-2 não há especificação de nível e a avaliação de produtividade é realizada com ênfase nos trabalhos publicados e orientações, referentes aos últimos cinco anos.

Apesar da objetividade dos critérios de avaliação, professora Ivanilde Apoluceno, atualmente única pesquisadora PQ da Uepa, considera, a partir do parecer encaminhado pela comissão avaliadora, que a concessão da bolsa produtividade “não é só um mérito, é um reconhecimento da trajetória, mostra que a avaliação considera não só o que está no currículo. E não é fácil ser selecionado, porque a gente concorre com pessoas de renome na área. É que a minha produção é muito grande, mesmo e eu tenho uma inserção nacional, sou vice-líder Norte da Associação Nacional da Pós-Graduação e Pesquisa em Educação, o que contribuiu com essa visibilidade. Além disso, quase todos os meus projetos têm parcerias nacionais e/ou internacionais”, comenta Ivanilde Apoluceno.

Graduada em Filosofia pela Universidade Federal do Pará (UFPA), em 1978, Ivanilde Apoluceno tornou-se professora de nível superior em agosto de 1980, assim que voltou de uma temporada em Paris, onde estudou Língua e Literatura Francesa. Voltou da França para Belém, onde vive desde os 13 anos de idade, e um mês depois já estava empregada na então Faculdades Integradas Colégio Moderno (FICOM). Ao iniciar essa trajetória, mesmo que desejasse, não poderia ingressar em um Mestrado ou Doutorado, porque não havia cursos de pós-graduação strictu sensu na área da Educação ou da Filosofia, na região. Por esse motivo, antes de ingressar no curso de Mestrado em Educação, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em 1992, Ivanilde cursou duas especializações nos anos de 1980. O curioso destaque feito por ela sobre esse período recai sobre o fato de que ela era ao mesmo tempo coordenadora, professora e aluna da primeira Especialização que fez. “A gente começava a trabalhar com o que tinha. Eu fui indicada pelo meu professor Carlos Coimbra, para coordenar e eu não sabia nem para onde ia, mas eu nunca me recusei. Ele foi muito importante na minha trajetória, porque me desafiava. Eu não sabia fazer, mas ele me incentivava”, recorda a professora.

Dali em diante a dedicação à vida acadêmica, à docência e à gestão, seguiram uma crescente sem intervalos. Depois do Mestrado na UFPB, cursou Doutorado em Educação na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), com período sanduíche na Universidad Autónoma Metropolitana do México, onde teve como coorientador o filósofo Enrique Dussel, uma de suas principais referências teóricas, com os princípios da ética da libertação.

Ao concluir o Doutorado e retornar às atividades na Uepa, Ivanilde, assim como outros professores recém-doutores, ressentia-se da falta de um ambiente de pós-graduação onde pudesse dar continuidade ao que tinha conhecido. Foi assim que esse grupo se uniu e apresentou a proposta que deu origem ao atual PPGED. “Todos nós éramos recém-doutores, mas éramos doutores velhos, tínhamos muita experiência”, recorda. Em 2019, o PPGED inaugurou a primeira turma de Doutorado. “Eu gosto de desafio e implementar o Doutorado foi para mim um desafio, mas agora eu já quero sair da gestão e me dedicar mais às pesquisas”, revela.

Quanti e quali: números e histórias de vida

A Plataforma Lattes, onde todo pesquisador brasileiro, desde a iniciação científica, deve cadastrar o currículo para poder concorrer a editais de fomento das agências públicas nacionais, acaba por designar a produção e o percurso de um pesquisador no Brasil. E ao se falar em produtividade, frequentemente a atenção se volta aos números. No caso do Currículo Lattes da professora Ivanilde Apoluceno de Oliveira, as 109 páginas reúnem as informações essenciais da produção, que inclui: 27 projetos de pesquisa já realizados e seis em andamento; 79 artigos completos publicados em periódicos; 159 capítulos de livros; 49 livros publicados ou organizados, o mais recente publicado este ano, Filosofia e Ética da Libertação de Enrique Dussel, em parceria com João Batista Santiago Ramos. Ainda no campo editorial, destaca-se a participação como revisora de 24 periódicos, além de ser membro do corpo editorial da Revista Ver a Educação e editora do periódico Cocar.

Mas, são as orientações, encaradas como experiências de trocas e diálogos, que a professora considera fontes de energia e inspiração para a pesquisa. “Inicialmente, o que me fez despertar o interesse para a pesquisa foram os nossos trabalhos no NEP, que começou com projetos de extensão e hoje reúne, ensino, pesquisa e extensão. E eu já orientei muito, muito na Especialização. Isso foi muito importante, porque na orientação, você pensa junto com o aluno e eu sou um tipo de orientadora que dá sugestão no texto, interfere. Por ver as dificuldades dos alunos, eu comecei a escrever para orientá-los nas suas produções e assim eu venho aprendendo”, conta professora Ivanilde.

Uma dessas orientandas é Waldma Oliveira, há 12 anos junto com professora Ivanilde, em uma jornada de formação que se iniciou desde que Waldma ingressou no curso de Licenciatura em Pedagogia da Uepa. Na Semana do Calouro ela soube da existência do Núcleo de Educação Popular Paulo Freire, coordenado pela professora Ivanilde, e começou a se interessar pela pesquisa. Em 2010, tornou-se bolsista de iniciação científica e desenvolveu com a professora um projeto nacional sobre sala de recursos multifuncionais no Estado do Pará, que acabou se tornando um livro. Em 2013, ingressou no Mestrado em Educação na Uepa e em 2019 passou na seleção da primeira turma de Doutorado do PPGED.

Do TCC à tese, sob orientação da professora Ivanilde, Waldma Oliveira avalia o tipo de orientação realizada pela professora. “Não só para mim, como para todos os pesquisadores, estudantes, orientandos que já passaram pelo NEP não é apenas uma orientação acadêmica, é uma orientação de vida. Ela tem uma leitura de mundo, uma vivência enorme e mesmo com tanto saber, com tanto acúmulo de conhecimento, ela é uma pessoa totalmente humana, fraterna, que respeita os diversos saberes, que partilha os seus saberes e que de fato vem ajudando a construir uma Universidade do Estado do Pará mais humana, mais fraterna. Em que de fato, pensamentos e categorias fundantes freirianas vem tomando base na sua forma de ser e estar no mundo, fundamentando uma ética do bem viver, propriamente dito”.

Emerson de Castro Lola, atualmente aluno do curso de Mestrado em Educação e Formação da Universidade de Lisboa, foi orientado pela professora Ivanilde Apoluceno, no curso de Especialização em Letramento e Formação de Professores, da Uepa e fazia parte do NEP, onde afirma ter percebido “a forma carinhosa, respeitosa e ética com que ela tratava os alunos, os pesquisadores e os convidados”. Hoje, como professor na Semec e técnico na Funpapa, ele acredita que “a forma de construir sua atuação profissional, com os saberes teóricos aliados à prática são  influências dela, das trocas, das conversas e das referências a Paulo Freire”.

Quando Lola fez o convite para que professora Ivanilde fosse sua orientadora, ela nem fazia parte do corpo docente do curso, mas não recusou, porque dizer não é uma das maiores dificuldades que ela aponta como traço da sua personalidade. “Eu só digo não quando eu não posso mesmo, porque se uma pessoa me convida para uma banca, por exemplo, é porque tem respeito, quer saber o meu olhar para o trabalho”. E assim, já foram 320 bancas de Mestrado; 45 de Doutorado; 36 dissertações; 5 teses; 4 Pós-doc; 82 Trabalhos de Conclusão de Curso; 55 Monografias de Especialização orientadas. Como consegue ter produtividade e conquistar afeto de quem cruza seu caminho, professora Ivanilde revela com entusiasmo: “eu gosto muito do que eu faço, eu adoro escrever. Quando oriento, eu participo e no final eu vibro com o resultado dos alunos. E eu sou muito organizada, anoto tudo que tenho de fazer em um caderno e vou fazendo por ordem de prioridades. Sem essa de dizer que não dá tempo! Basicamente, a minha rotina é assim, eu acordo, tomo meu café e trabalho o tempo todo”, resume.

 

Texto: Guaciara Freitas / Ascom Uepa
Fotos: Naialana Thiely/ Ascom Uepa; Waldma Oliveira/Acervo pessoal