“Olha, isso aqui tá muito bom, isso aqui tá bom demais. Olha, quem tá fora quer entrar, mas quem tá dentro não sai". O trecho da canção de um dos maiores sucessos de Dominguinhos remete ao sentimento de quem participa das tradicionais festas juninas, realizadas em diversas regiões do Brasil. O festejo, celebrado no mês de junho, faz referência a três santos católicos: Santo Antônio, São João e São Pedro, respectivamente. Popularmente elaborada com a presença de comidas típicas da época – bolo de milho, pamonha, canjica, cuscuz, pipoca, cocada e macaxeira –, brincadeiras, danças, quadrilhas e até casamento caipira, a chamada Quadra Junina é considerada uma das maiores festividades no país e já ganhou diversas influências e significados ao longo dos anos.
Santo Antônio, um dos santos católicos mais populares do Brasil é um dos ícones do festejo que mistura sagrado e profano. Walison Dias, mestrando em Ciências da Religião pela Universidade do Estado do Pará (Uepa), afirma que, segundo a tradição, Antônio recebeu o título de santo casamenteiro, o que explica as simpatias feitas com a imagem dele no dia 13 de junho, data do falecimento dele. Walison conta que na época do advento das festas juninas na Europa, as mulheres solteiras tinham o costume de ir às missas de Santo Antônio e pegar um pão abençoado pelo frade – católico consagrado –, com o intuito de conseguir um marido. Outro elemento utilizado eram as fitas, amarradas no pé do santo com o mesmo objetivo. Hoje, no território nacional, a ideia do pão não é somente voltada ao santo, mas possui outras leituras, como a caridade e uma graça alcançada, nem sempre relacionada a matrimônio.
Já o santo que dá nome à festa é São João, celebrado em 24 de junho. Considerado o santo mais próximo de Jesus, São João é associado a um santo das causas e das múltiplas graças. No Pará, esses pedidos são, na maioria das vezes, mediados pelos famosos banhos de ervas vendidos em feiras e mercados como o Ver-o-Peso. "O banho de São João é resultado da união de tradições ameríndias e africanas", detalha Walison.
E chegando no finalzinho de junho é a vez de São Pedro que, no período em que a tradição chegou ao Brasil, principalmente em comunidades próximas de praias, foi associado a um protetor dos vigilantes e dos pesqueiros. Já no centro urbano, ele ganhou outra conotação. Wailson explica que "nesse dia 29 se celebra esse santo, padroeiro das chuvas, padroeiro dos pesqueiros, dos vigilantes, mas se celebra também a ideia do santo que é a porta do céu, do santo que é a entrada dos pecadores. É como se fosse o fechamento da quadra. São Pedro que tem as portas do céu, está no dia 29 de junho. Então, dá essa ideia que ele encerra a quadra, e é por isso que ele é o último santo de todo esse movimento".
As festas juninas se apresentam com diversas configurações em cada região do Brasil, mas, ao contrário do que muitos imaginam, elas não têm origem em terras brasileiras, embora tenha encontrado solo fértil para se estabelecer aqui. A tradicional quadra junina é oriunda dos povos pagãos na Europa, bem antes da disseminação do cristianismo. Na época, os chamados povos escandinavos, vikings e outras nações celebravam a transição da natureza em rituais nos quais a fogueira era um dos elementos da passagem sazonal. Além de ser uma forma de cultuar o deus sol e outras divindades relacionadas à colheita, marcava o início do verão.
A queima da fogueira tornou-se uma passagem fundamental, já que, para esses povos, tal ato afastava os maus espíritos para que, consequentemente, pudessem ter uma boa colheita e uma boa venda do que produziam. No mesmo período, formou-se um grande comércio em volta dessa celebração, a começar pelas quermesses produzidas com os grãos colhidos. A partir disso, os primeiros sinais do que viria a se tornar a famosa festa junina começaram a ficar em evidência.
“Com o advento do Cristianismo, o movimento católico não conseguiu acabar com essa tradição que acontecia em junho, na maioria das nações que foram colonizadas pelos romanos. Portanto, eles passaram por um processo de sincretização da festa. Então, eles começaram a implementar dentro dessas tradições elementos católicos, e aí entram São João, Santo Antônio e São Pedro”, conforme explica Walison. Ele explica ainda que a igreja católica, de modo articulado, introduziu um sincretismo no movimento genuinamente pagão e após a estratégia de implementar seus aspectos cristãos, as quermesses, as colheitas e as festas se tornam, também, dependentes da igreja no sentido de serem voltadas a centros paroquiais.
Aos portugueses é atribuída a responsabilidade de trazer a festa para o Brasil com o objetivo de cristianizar os povos aqui presentes. Se na Europa, berço desta festividade, o movimento católico utilizou meios para impedir a propagação das celebrações pagãs, quando os lusitanos chegaram em terras brasileiras com a ideia colonizadora, implementaram as festas juninas, com uma roupagem católica, atrelada aos ritos e costumes que aqui já se desenvolviam e eram disseminados. Com a passagem do tempo a festa também ganha novos aspectos, tais como gingado, o milho, as famosas danças de pares, a presença da palha, das bebidas. Dessa forma, a quadra ou quadrilha junina é resultado de elementos europeus, fundidos com componentes africanos, tornando-se cada vez mais ricos. “Com a presença dos negros e índios aqui, a gente tem uma miscelânea, a gente tem um conjunto de elementos”, ressalta Walison Dias.
Segundo o mestrando, a quadrilha junina "tomou a 'cara' do povo, e a 'cara' do povo é multiversa", possuindo diversas narrativas – quadrilha do homem e da mulher, a figura do boto, a presença do brega e do melody. Das danças de pares entorno da fogueira, passando pelas brincadeiras, até chegar nas iguarias típicas da celebração, o mês de junho também é alusivo a outro sentimento, de acordo com o discente. "Essa cara do povo também pode ser lida como um movimento de revolta, como um movimento de protesto porque a festa como ela era proposta estava totalmente voltada a uma tradição católica, uma tradição cristã.
Quando o povo entra com as suas culturas, com as suas histórias e narrativas você tem uma mudança de paradigma dessa festa. Você tem um processo de cristianização na Europa, mas quando ela chega na américa do sul, quando ela chega no Brasil, com a presença dos negros, das comunidades ameríndias e das comunidades europeias isso vai ter uma conotação completamente diferente, uma caracterização popularizada."
Texto: Thayssa Nobre (Ascom Uepa)
Foto: Laís Teixeira (Ascom Uepa)
Foto: Laís Teixeira (Ascom Uepa)