No Brasil, anualmente, cerca de 300 mil mulheres recebem a indicação de histerectomia, operação cirúrgica ginecológica de remoção total ou parcial do útero. De acordo com o Sistema Único de Saúde (SUS), a histerectomia representa a segunda cirurgia mais realizada entre mulheres em idade reprodutiva, superada apenas pela cesárea. O procedimento de retirada de útero também está associado com o risco de problemas na saúde mental, onde milhares de pacientes apresentam quadros de estresse e ansiedade, causados ou potencializados por influência da cirurgia.
Com o objetivo de oferecer uma maneira inovadora de comunicação e suporte às mulheres submetidas a histerectomia, as alunas do curso de Bacharelado em Design da Universidade do Estado do Pará (Uepa), Carolina Yamada e Maiara Carvalho, desenvolveram, no Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), um projeto da interface de um aplicativo (App) mobile, para auxiliar os profissionais da psicologia hospitalar no suporte psicológico de mulheres submetidas ao pré e pós-operatório de histerectomia e que sofrem com ansiedade. A ideia é ajudar a desmistificar medos e receios que permeiam as pacientes.
O aplicativo desenvolvido pelas alunas, que está em processo de registro junto ao Núcleo de Inovação e Transferência de Tecnologia (NITT) da Uepa, surgiu a partir do trabalho conjunto do curso de Bacharelado em Design e o Programa de Mestrado em Cirurgia e Pesquisa Experimental da universidade, através da dissertação desenvolvida pela psicóloga e aluna do programa, Silvana Soares.
Segundo Carolina, “no mercado e na academia, o avanço das tecnologias de informação tem sido muito grande no meio da saúde. Cada vez mais surgem plataformas que são desenvolvidas visando ajudar na saúde física e mental, auxiliando tanto o profissional, quanto os pacientes. Por meio da pesquisa realizada pela Silvana, vimos uma oportunidade e uma possível solução, por meio de uma interface capaz de dar suporte à prática do psicólogo, por intermédio de informações e técnicas específicas, minimizando a reação das pacientes frente à cirurgia”.
Sensibilidade para o desenvolvimento tecnológico
Diversos fatores influenciam na ansiedade de pacientes em período pré-operatório de histerectomia, destacando-se a falta de informação sobre o procedimento e suas consequências. Há ainda um imaginário sobre os impactos na sexualidade e feminilidade. No trabalho realizado, Carolina e Maiara analisaram que essa cirurgia pode se tornar um processo difícil de lidar, à medida em que envolve aspectos emocionais, psicológicos e culturais. Por isso, de um modo geral, as pacientes sofrem grande impacto sobre seu bem-estar físico e emocional, pois enfrentam diversos receios como antecipação da dor, sentimentos de abandono, medo da morte ou de sequelas.
As alunas utilizaram a metodologia científica aliada à metodologia projetual do Design centrado no usuário, além dos conceitos da área de ergonomia e usabilidade. “Para desenvolver o TCC, nós passamos por um processo de imersão, que foi essencial para compreender as necessidades e exigências das pacientes. Nós realizamos entrevistas, observações diretas, pesquisas, coleta de dados, aplicação de questionários, testes com a interface, além de depoimentos sobre a experiência das pacientes para compreender as demandas do nosso público alvo”, conta Maiara sobre o processo de desenvolvimento da interface.
Dentre suas funcionalidades, o App disponibiliza diferentes técnicas de respiração validadas por psicólogos, questionários e animações lúdicas sobre a cirurgia, abordando mitos e verdades da histerectomia, além de uma área contendo todas as informações sobre o procedimento cirúrgico para tirar as dúvidas dos usuários.
Para Maiara, "ter a possibilidade de poder dar a pacientes um mecanismo em que elas possam aliviar as dores internas e emocionais é satisfatório. O nosso objetivo é ajudar, por meio desse projeto, todas as mulheres que passam por problemas relacionados à feminilidade. Esperamos que esse aplicativo se torne uma alternativa eficiente para mulheres que foram impactadas com um diagnóstico de retirada do útero, para se sentirem amparadas e tenham autonomia, seja por um aplicativo, seja por um psicólogo, ou por um processo humanizado desenvolvido por mulheres e para mulheres".
O trabalho foi premiado, em dezembro de 2022, como o melhor TCC do curso de Design da Uepa. Nos próximos meses, o aplicativo será submetido à fase final de testes com profissionais da psicologia e do design, para que as desenvolvedoras tenham retornos consistentes. Além disso, o registro da marca e do código do aplicativo já estão em andamento, para que seja disponibilizado aos usuários. O projeto apresenta um potencial de adaptação e expansão a outras temáticas dentro do ambiente hospitalar, podendo alcançar um número maior de pacientes e profissionais da psicologia.
A professora de Design da Uepa, Brena Renata, que atuou como orientadora do TCC, acredita que o maior desafio em desenvolver um projeto como esse é conciliar os interesses e os cronogramas particulares em prol de um objetivo comum. “Eu sempre digo que o mérito é todo dos alunos, pois eu vejo o quanto eles se dedicam para alcançar esse nível de excelência. De nada vale o meu esforço se eles não tiverem interesse pelo que fazem. Todas as reuniões com as meninas eram divertidas, pois construímos conhecimento juntas desde o início e eu adoro aprender com os trabalhos que oriento. Fiquei muito feliz com a premiação, pois sei o quanto elas trabalharam de forma muito sensível neste projeto”, orgulha-se Brena.
De acordo com Carolina, o desenvolvimento do projeto apresentou desafios maiores do que o esperado. “Entrar em contato com a experiência das mulheres que desenvolveram ansiedade em razão da histerectomia foi algo muito forte pra gente como mulheres e como designers em formação. Eu me emocionei em muitas entrevistas com as pacientes, pelo fato de nós podemos passar pela mesma situação em qualquer momento da nossa vida. De modo geral, é muito gratificante ter a possibilidade de atrelar os conhecimentos técnicos da nossa área para ajudar e ter impacto na vida de outras pessoas”, conclui a designer.
Texto e foto: Messias Azevedo (Ascom Uepa)