Pesquisa sobre farinha de Bragança destaca potencial do produto

Enviado por Monique Hadad em Ter, 07/02/2023 - 15:21

Um produto paraense que possui notoriedade regional e nacional. Assim é a farinha de Bragança, município paraense que empresta seu nome à produção dessa variedade da farinha de mandioca de sabor inconfundível. Em maio de 2021, a farinha obteve o registro de Indicação de Procedência (IP), pelo Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI). O reconhecimento auxilia na proteção da origem geográfica da produção e também contribui na agregação de valor ao produto. A importância é tanta que, em abril de 2022, a farinha de Bragança foi declarada integrante do patrimônio cultural de natureza material do Estado do Pará, por meio da Lei n° 9.541/2022, sancionada pelo governador Helder Barbalho.

Para demonstrar de que forma a Indicação Geográfica (IG) “Bragança” pode transformar a farinha de mandioca da região bragantina em um ativo territorial, foi desenvolvido o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) Ativação de Recurso Territorial por Meio da Indicação Geográfica: Um Estudo de Caso sobre a Farinha de Bragança. A pesquisa foi elaborada por Stéphanie Oliveira da Silva, sob a orientação do professor Benedito Valente, como requisito para a obtenção do grau de Licenciatura Plena em Geografia pela Universidade do Estado do Pará (Uepa).

O estudo foi vencedor do primeiro lugar do curso de Geografia, no Prêmio Melhor TCC 2021/2022, evento que já faz parte da tradição de ensino da Uepa e que reconhece as melhores produções científicas, que prezam por conhecimento e inovação no contexto acadêmico. A elaboração do TCC envolveu levantamentos bibliográficos e documentais - obtidos por meio de fontes oficiais de órgãos e instituições relacionadas com a IG Bragança - e de campo, nos locais de produção da farinha, no município bragantino.

Entre os motivos que fizeram Stéphanie Oliveira escolher a temática da pesquisa estão a tradição e a notoriedade da produção da farinha de mandioca que, segundo a autora, são “provenientes de um saber fazer indígena e das inovações técnico-produtivas pelas quais essa agroindústria artesanal vem passando de geração em geração”.

“Essas transformações resultaram em um produto com características diferenciadas e origem territorial reconhecida por produtores, consumidores e feirantes, atributos que se traduzem numa maior demanda pelo produto e um preço superior quando comparado às outras farinhas paraenses”, detalha Stéphanie, ao ressaltar que esses elementos contribuíram para a concessão do registro da IG da farinha de Bragança.

Pesquisa

As Indicações Geográficas são objeto de pesquisa do professor da Uepa, Benedito Valente. Ele desenvolveu a tese de doutorado: O Alvorecer das Indicações Geográficas na Amazônia: A 'Corrida' pela IG do Queijo Artesanal do Marajó/PA, e tem um largo conhecimento sobre o assunto, com dez anos de elaboração de pesquisas sobre a temática. O professor é coordenador do Laboratório de Análise e Pesquisas Territoriais Estratégicas da Amazônia (Lapet) e atua na área de Geografia Econômica e Política.

“Temos pesquisas sobre o cacau de Tomé-Açu, que também virou uma Indicação Geográfica em 2019, além da farinha de Bragança. O Lapet orienta um conjunto de estudos relacionados à temática da IG, com produtos que já tiveram registro, bem como com produtos potenciais, como é o caso do açaí da região de Cametá, o qual estou orientando uma dissertação de mestrado”, conta Benedito Valente.

O estudo desenvolvido por Stéphanie Oliveira é decorrente de um Projeto de Iniciação Científica e Tecnológica, do qual a aluna era bolsista. “Também orientamos um Pibic (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica) de Ensino Médio, com alunos oriundos de escolas públicas de Bragança, e aí o TCC foi um caminho natural para que a Stéphanie viesse a aprofundar as pesquisas que ela já tinha desenvolvido no projeto de pesquisa”, complementa o orientador do TCC.

Resultados

Segundo Benedito, entre as conclusões da pesquisa está a confirmação de que a farinha de Bragança é um ativo territorial, ou seja, é um produto próprio de um lugar e tem uma identidade territorial forte com o seu espaço. “É um produto único, resultado de um saber fazer secular de origem indígena, que foi se modernizando com o tempo, mas sem perder as suas características, fazendo esse produto ser bastante conhecido, notório, famoso em todo o Brasil”, destaca.

O professor explica que a elevada demanda do produto faz com que haja, por vezes, o uso indevido de sua notoriedade, fator que levou produtores e instituições a buscarem um instrumento de proteção, que no caso é a IG, pois, além de agregar valor ao produto, protege contra a falsificação. “Então, é um ativo territorial de propriedade intelectual dos produtores de farinha da região de Bragança, formada por cinco municípios: Bragança, Augusto Corrêa, Viseu, Tracuateua e Santa Luzia do Pará”.

Para a autora do TCC, um dos maiores ensinamentos decorridos do estudo foi o aprendizado de como o campo amazônico é diverso, “seja quanto aos seus habitantes, as relações harmônicas ou conflituosas existentes e os resultados desses processos e ações nos espaços rurais”. Dessa forma, Stéphanie ressalta o quanto é importante enaltecer os ensinamentos tradicionais e todo o trabalho relativo ao rico conhecimento da arte de fazer farinha.

“É imprescindível, respeitar e valorizar os saberes tradicionais e o trabalho árduo dos agricultores familiares, responsáveis pela produção da maioria dos alimentos que nós consumimos, visto que existem diversas dificuldades e desafios para manter as atividades produtivas no campo, a exemplo da produção de farinha”.

Experiência 

Entrar em contato com a temática do TCC permitiu que Stéphanie Oliveira ampliasse seus conhecimentos, tanto em sua trajetória profissional quanto pessoal: “A pesquisa agregou na minha formação profissional, como professora de geografia e pesquisadora, a partir do momento que ela me possibilitou conhecer uma outra realidade prática a respeito da vida, do trabalho e das dificuldades enfrentadas pelos agricultores familiares, especialmente dos produtores de farinha que vivem na região do nordeste paraense. Além disso, esse trabalho contribuiu com a formação do meu senso crítico e científico, na medida que me possibilitou ampliar a minha concepção de mundo dinâmico, interconectado e contraditório em que nós vivemos, permeado por relações sociais, econômicas, de reciprocidade e poder que ocorrem tanto no ambiente rural quanto urbano”.

A experiência e o contato com os mais variados atores territoriais, institucionais e da cadeia produtiva da farinha, conforme Stéphanie, a permitiram “vivenciar, aprender e ensinar conhecimentos que vão além das teorias e conteúdos ensinados em salas de aula”.

Texto: Monique Hadad (Ascom Uepa)
Fotos: Acervo da Pesquisa